Psicóloga e advogada explicam o aumento da violência contra mulher no período e orientam como auxiliar quem está passando por esta situação
Se antes da pandemia, a violência de gênero já era uma das grandes preocupações sociais no mundo, o problema se tornou ainda mais visado em tempos de coronavírus. A própria ONU-Mulheres nomeou o momento atual como “pandemia das sombras”, fazendo referência a crescente taxa de feminicídio e violências contra a mulher. Com a necessidade do isolamento social, a vítima é confinada com seu agressor, em uma redoma de violência e silêncio que pode ser mortal.
De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), entre março e abril de 2020 – que estavam entre os meses mais críticos de isolamento social – houve um aumento de 22% nos casos de feminicídio em 12 estados do país. No Rio Grande do Sul, em abril também se verificou um acréscimo de 66% de ocorrências relacionadas ao crime, sendo 18 tentativas e 10 consumações. Além dos números alarmantes, o que mais chama a atenção é que as vítimas de feminicídios consumados normalmente não registram ocorrência ou solicitam medida protetiva.
O que pode ter uma explicação de cunho cultural, conforme aponta a professora de Psicologia e Coordenadora do Núcleo de Apoio e Atendimento Psicopedagógico da Estácio/RS, Greice Carvalho: “A gente percebe o nosso Estado bastante machista, com valores muito arraigados. Então, pode ser que essa mulher confie em uma mãe ou amiga, mas não obtenha o apoio necessário. O que ouço muito de pacientes é ‘falei isso para minha amiga ou minha mãe e elas disseram para aceitar, que isso ia passar, ele é assim mesmo’. Essa cultura corrobora, de alguma forma, para que a gente aceite a situação”, explica.
Com o isolamento social, esse silêncio pode ser ainda mais sufocado, pode ser ainda mais fatal, conforme indica a professora de Direito da Estácio/RS e pesquisadora sobre o Direito da Mulher, Claudine Rodembusch: “O contato diário e frequente com o agressor e a ausência de relações de apoio, podem ser fatores agravantes para que a vítima não consiga recursos internos para pedir ajuda. Por isso, que é tão necessária a conscientização e políticas de apoio psicológico e material às mulheres, para que se sintam seguras em denunciar.”
De acordo com a advogada, é necessário fomentar o debate e conscientização de toda a sociedade, para que também os familiares e pessoas próximas aprendam a identificar situações de abuso e possam auxiliar essas vítimas que não conseguem quebrar o silêncio sozinhas. “O silêncio mata. E mata todos os dias um pouco. Primeiro nas agressões morais, depois nas torturas psicológicas, nas privações, depois nas agressões físicas… Precisamos quebrar este silêncio e ajudar a salvar vidas”, declara Claudine.
Como ajudar mulheres em situação de abuso e violência?
O acolhimento é fundamental, conforme sugere a psicóloga: “Primeiro é escutando. Se esta mulher está dizendo ‘eu acho que não estou bem’, ela já passou por cima de muita coisa para conseguir dizer isso. Tem muita culpa, muita vergonha. Ninguém casa querendo se separar. A vergonha e culpa ainda estão introjetadas dentro da gente de forma muito forte. A gente precisa ter uma atenção muito grande e não trazer juízo de valor, é poder acolher aquele sentimento.”
Incentivar a mulher para que busque também um acompanhamento psicológico também é algo muito importante. “Ela precisa de suporte e incentivo para buscar ajuda e entender que não precisa ter vergonha por isso. Hoje existem diversas instituições que oferecem serviços a baixo custo ou até gratuitos de atendimento psicológico. Apoia-la nessa busca é uma ajuda grande ajuda e gestor de amor”, comenta Greice.
Além do suporte psicológico, é preciso também entender que violência é crime e que o ato de denunciar pode sim salvar vidas. “A proteção do Estado ainda precisa ser ampliada mas já é capaz de evitar que os dados estatísticos apresentassem aumento ainda mais significativo. Infelizmente, durante a pandemia, deslocar-se até as Delegacias Especializadas para realizar a denúncia é muito difícil, o que agrava ainda mais o cenário. Por isso, se disponibilizou o telefone específico e se fez campanha para que os próprios vizinhos viessem a denunciar tais ocorrências”, orienta Claudine.
“Em casos mais graves, que elas não têm essa rede de apoio e financeira, existem locais que elas podem ir com as crianças. Locais, inclusive, protegidos. Então, a gente precisa buscar auxílio e não desistir disso. Mesmo que não encontre um acolhimento esperado, poder ir adiante. Poder falar para o mundo que eu estou em sofrimento e não achar que eu estou errado ou que eu que estou ‘louca’. Não, não foi o armário que bateu, não foi a porta. Isso não é normal”, enfatiza Greice.
Para mudarmos esse cenário de violência, é necessária uma mudança cultural e estrutural, além da dissolução do machismo e das relações tóxicas, da crença de que em briga de marido e mulher não se mete a colher: “Se eu não entendo quando a minha filha me diz que está sofrendo algum tipo de abuso pelo marido, que eu possa buscar entender. Ouvir sem julgamento no primeiro momento. E que sim, em briga de marido e mulher a gente mete a colher. Quanto mais a gente conseguir quebrar esses estigmas, socialmente, a gente vai ganhando força e criando as gerações futuras para que não passem por esses processos”, finaliza a psicóloga.
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