Um palácio construído com a fortuna de um traficante de pessoas, que negocia vantagens para cedê-lo a uma corte colonial, que, por sua vez, dá lugar a um império que descende dela e começa a reunir objetos deslocados de diferentes culturas, entre elas, as que eram traficadas e exterminadas pela colonização. Os esqueletos no armário do Palácio de São Cristóvão não ficam de fora do musical Museu Nacional [Todas as vozes do fogo], que fará seu último fim de semana de apresentação no Teatro Riachuelo, no Rio de Janeiro.
O palácio era tudo isso, mas também lugar de produção de pensamento sobre um novo país, de nomes como Bertha Lutz; de formação de uma multidão de pesquisadores e de apresentação da ciência a milhares de estudantes que enchiam seus corredores em excursões escolares. O musical conta a história de um palácio que era tudo isso e foi consumido pelo fogo com seu acervo de 20 milhões de itens, e do país que o ergueu com toda essa complexidade e o deixou queimar.
Quem recebe o público para essa visita guiada é Luzia, o crânio humano mais antigo do Brasil e sobrevivente do fogo que destruiu o palácio em 2 de setembro de 2018. A “primeira brasileira” é interpretada por Ana Carbatti, indicada ao Prêmio Shell de melhor atriz deste ano por Ninguém Sabe Meu Nome, em que uma mãe preta reflete sobre como deve criar seu filho em uma sociedade racista.
Atriz Ana Carbatti, dá vida à Luzia, nome dado ao fóssil humano mais antigo encontrado no Brasil, no musical Museu Nacional – Tomaz Silva/Agência Brasil
Ana conta, em entrevista à Agência Brasil, que em Museu Nacional sua personagem é uma ancestral, mais no sentido humano no que no sentido solene desta palavra. “A princípio, eu tinha uma preocupação de que ela tinha que ser séria, em respeito a essa ancestralidade, em respeito a esse crânio sobrevivente. Mas, depois, a gente foi entendendo que não. Que a ideia era humanizar essa ancestralidade. Então, isso fez o trabalho ficar muito divertido pra mim. E, hoje, fazer a Luzia é uma alegria, me divirto muito”.
A Luzia que conduz a narrativa da peça lança mão do humor e da perspicácia para acessar o público em lugares diferentes da comoção com a tragédia. Museu Nacional não trata apenas disso, avisa Ana Carbatti, mas também de esperança e até de utopia.
“Se a gente perder a esperança, não precisa nem subir no palco. Subir no palco só pra falar das nossas mazelas, não precisa. Não é só pra isso. Acho que o teatro tem muitas funções, não pode ser só essa. A cultura é uma esperança, em si”.
Museu Nacional [Todas as vozes do fogo] é escrito e dirigido por Vinicius Calderoni, com direção musical de Alfredo Del-Penho e Beto Lemos, com 20 músicas originais. A diretora de produção e idealizadora do espetáculo, Andréa Alves, é da Sarau Cultura Brasileira, que completa 30 anos. O elenco conta com Adrén Alves, Alfredo Del-Penho, Beto Lemos, Eduardo Rios e Ricca Barros, todos da Companhia Barca dos Corações Partidos, e convida os atores e atrizes Adassa Martins, Aline Gonçalves, Felipe Frazão, Júlia Tizumba, Lucas dos Prazeres e Rosa Peixoto.
O musical passou por São Paulo no ano passado e encerra, nesta semana, as apresentações no Rio de Janeiro. Há expectativa de novas montagens em outros estados, ainda sem datas e locais definidos.
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